sexta-feira, 29 de julho de 2016

Review: Batman - The Killing Joke (2016)


'Batman - The Killing Joke', feita por Allan Moore e Brian Bolland, é um clássico e não é de graça. Uma revista que puxou os limites de como se fazer quadrinhos na época, trazendo uma história do Batman com maturidade e violência nunca vistas, além de dar uma origem icônica para um personagem igualmente icônico como o Coringa e mudar drasticamente o futuro de Barbara Gordon/Batgirl. Uma história que até hoje envolve muitas polêmicas devido as escolhas feitas, e como isso até hoje as afeta,e claro, uma adaptação dessa em forma de filme só tem a continuar que a obra seja comentada e analisada. E então, como será que o filme se saiu?

A história no filme no caso começa bem diferente da graphic novel: E mostrado a principio a relação de Barbara Gordon/Batgirl (Tara Strong) com Batman (Kevin Conroy) e como isso leva a heroína não só a encarar o seu primeiro vilão que realmente a leva ao limite, Paris Franz (Maury Sterling). Isso acaba servindo de espelho e de faísca para o retorno do Coringa (Mark Hamill) as ruas, agora com um tipo novo de violência que acaba aleijando Barbara, torturando James Gordon (Ray Wise) e fazendo Batman ter que encarar o fato que o relacionamento com seu pior inimigo talvez não seja tão diferente das outras pessoas do qual ele lhe quer bem, mas com resultados que podem acabar de maneira tão trágica quanto.


O filme foi dirigido por Sam Liu, veterano nas animações da DC, e pelo renomado roteirista Brian Azzarello (100 Balas, Mulher Maravilha), e mudanças tiveram que ser feitas na história original para que ela funcionasse como filme, o que acaba tendo um tema e identidades próprios, além de não ter medo em tocar em temas polêmicas da revista original e além. Claro que nenhuma obra é absoluta, e seguindo a "tradição" o filme trouxe suas cotas de polêmicas, mas funcionou muito bem dentro que é proposto ao fato, tornando uma adaptação de fato da obra original, que respeita a fonte mas procura seguir de maneira independente. Entende-se que, quem procura uma adaptação quase literal da obra original (como a adaptação deles de 'The Dark Knight Returns'), nesse quesito, pode sair desapontado, mas pelo que o filme é, ainda sim é uma grande obra (ainda que sim controversa).

A parte da Barbara é importante porque expande o tema original, entre o Batman e o Coringa, e expande pra todos os personagens principais da HQ. Acaba se tratando de encarar o abismo e sair de lá, e do fato que o os Gordon são mais fortes nesse sentido que o Batman e o Coringa, assim como a relação do Batman com o Coringa ditar todos os outros tipo de relacionamento, amizade e/ou além, com aqueles que Bruce Wayne divide a sua vida como Batman. Nesse sentido, o filme funciona e respeita muito bem a HQ e como adaptação se faz funcional e relevante. No caso, o filme é muito auto-consciente, de certo modo, de que se trata de uma adaptação, e não tem medo de trazer o impacto que a revista trouxe para a sua história: os tempos mudaram, as ações entre mocinhos e bandidos ficaram cada vez mais violentas e cinzentas.


Batman tem consciência de que Batgirl finalmente encontrou o seu "Coringa" e tentar botar foco nela pra que ela esteja preparada pra enfrentar esse próximo fato inevitável de ser um vigilante em Gotham, porque essa é a natureza da cidade como personagem que é, que vai procurar te testar e te oprimir. Barbara, lembrando aqui que é uma mulher adulta e não mais uma adolescente, procura uma aprovação que, francamente, ela nunca precisou: ela é muito boa no que faz, mas ainda é uma iniciante de como a coisa de ser vigilante é por dentro. Mas pelo fato de ambos terem se relacionado de maneira mais intima, isso também afeta o Batman, que também não ajuda em nada a situação a forçar um total distanciamento da parte dela no caso de Pariz Franz.


Pariz, aliais, foi uma boa sacada do Azzarello, trazendo um personagem que ali desafia de fato a personagem, ao mesmo tempo que a traz para seu mundo mais dark sem ela deixar se notar. Ele é sexista, repugnante,mas também é um exímio lutador e alto conhecedor de tecnologias, com grandes ambições de ser um grande mafioso na cidade. Ao mesmo, vemos que Barbara tem uma vida, amigos, emprego, e capacidades, que independem da aprovação do Batman ou de qualquer um. Ela é muito boa no que faz, mas todas as situações, com o Batman/Bruce e com Paris, forçaram ela a extremos de violência. Porque esse sempre vai parecer o caminho mais fácil de fazer os medos e frustrações irem embora.

São duas pessoas adultas, só que um procura manter a pose de mentor e outra procura uma igualdade que acha que conquistou na vida pessoal no profissional. E o fato é que ela nunca precisou da aprovação do Batman pra se provar que é boa, porque ela é de fato, e ela percebe isso no momento que decide deixar de ser Batgirl. Ali ela finalmente entende Bruce e a maneira de agir, e de pensar, não só em relação a ela e a super proteção dada, mas especialmente os porquês disso: de que ser Batman, e levar essa vida, é uma espiral de loucura e violência que só tende a aumentar. E isso nos traz diretamente a parte onde o filme começa de fato a adaptar 'A Piada Mortal', onde o filme começa de fato a adaptar a história da qual foi baseada, onde tudo aquilo mostrado no primeiro ato começa a se desenvolver e a se pagar.


Batman tem que afastar as pessoas mais próximas dele, ou alertá-las do que essa vida pode trazer, por causa do ciclo de violência que ele mesmo tem consciência que participa e dá suporte a isso. Isso alimenta a sua motivação, e de certo modo, a sua loucura. E pensando nisso, a constante que alimenta esses dois lados é o próprio Coringa. Robin, Batgirl, Comissário Gordon, todos eles podem de fato sair da vida do Batman em algum momento, mas o Coringa, ele sempre vai estar na vida dele como Batman e sempre entregando algo para fazer e manter sua função como tal. É simbiótico.

A parte que muitos provavelmente não vão entender que a conexão entre a relação Batman/Batgirl e Batman/Coringa é essa: a primeira pessoa ele afasta procurando inevitavelmente não fazer a pessoa se tornar igual a ele, e o segundo é parte inerente a fazer seu mundo funcionar pois sua loucura é parecida. E essa relação entre o Batman e o Coringa acaba sendo ali no filme o "oposto complementar" da relação dele com Batgirl, porque Batman odeia o Coringa (e vice versa), não se conhecem tanto, mas se entendem e criam um elo dentro de sua insanidade que os define de fato. Já Batman faz afastar Barbara como interesse amoroso, e Batgirl como sua sidekick, exatamente por reconhecer a sua loucura aí.


E com isso a história segue bem parecida com a revista, que é um clássico e não há muito o que dizer sobre, além deles terem mantido um nível de respeito com a história original. O fato de terem seguidos os moldes da nova colorização (que mudou, entre outras coisas, o o logo do Batman, retirando seu simbolo amarelo) mas são mudanças que não afetam muito a história, mas que faz certa falta ao velho saudosismo. Mas foram as incrementações e sutis mudanças que não só enriqueceram a história mas ajudaram a tornar o filme algo próprio. Destaco a cena a "Cena do Livro" que põe a teste a relação de James Gordon com Batman, escrita de maneira brilhante por Azzarello.


E com isso chegamos a cena da Barbara Gordon leva um tiro do vilão, que até hoje gera polêmicas sobre o fato ou não dela ter sido estuprada ali. Pessoalmente, minha interpretação da revista nunca viu as coisas desse jeito, tanto que na história origina, em seu único momento de sensatez, o Coringa admite os seus crimes daqueles dias em que a história passa, e não foi citado estupro ai. Outro fato, pra mim, é que estupro em si é o tipo de coisa que eu não vejo como parte do modus operandi do personagem. Ele tem jeitos mais divertidos, do jeito doentio dele, de inserir terror, e estupro é algo baixo pro "nível criativo" dele.


Só afirmando aqui que sim, o que aconteceu com Barbara ai na história é sim considerado um crime sexua grave, e o filme não esconde que aquilo é de fato algo horrível de se ver e presenciar, sendo aí o salto a um ponto imite para o personagem dentro do conceito da história, não só do Coringa, não só do Batman, mas da Barbara também. Uma cena envolvendo essa questão, que pra mim é muito mais polemica e ninguém fala disso, é a cena de Batman com a prostitutas, onde Azzarello claramente atiçou aqueles que acreditam no estupro da Barbara. Essa cena me incomodou particularmente pois ele fez isso pra exatamente puxar briga com quem acredita nessa versão, e com isso gerar uma polemica desnecessária com uma cena (ainda) complicada de se lidar.

E com isso chegamos ao final do filme, que passou também por modificações, mas que se casa perfeitamente com o tema proposto como ta: ao encontrar um antagonista que te desafia de uma forma que abraça a noção do que se é, aonde mora a força de encarar esse inimigo? Em abraçar a escuridão que ele proporciona ou se manter encarando-a? Os Gordon se provam bem mais fortes nesse quesito. Barbara sabe de suas capacidades são bem ampas, coisa mostrada desde a principio no filme, e agora como Oráculo, escolheu não deixar essa tragédia a impedir de fazer aquilo que não lhe dá só prazer mas também propósito.


A natureza de Gotham te pressiona, como pressionou James Gordon mesmo que, afetado a curto prazo pelo tratamento de choque do Coringa, ainda conseguiu se reerguer afim de provar não só que a justiça em que ele acredita, mas o próprio Batman, são figuras funcionais e o elo mais forte das reações que o Batman tem. Mas vemos pela própria origem do Coringa, e pela própria negação do mesmo sobre sua veracidade, que Gotham, como personagem que é, tem um jeito todo especial de tratar aqueles que considera fracos: a loucura, e é dela que é tirada forças.

Por isso, no grande duelo final, mesmo diferente e sem a dualidade que até então poucos tinham percebido (até Grant Morrison explicar), Batman teve a conversa que ele quera ter feito no Arkham e não conseguiu. E Coringa, em seu ultimo momento lúcido, reconhece que não há mais volta pros dois. Ambos sabem como termina seu relacionamento, tudo feito até então é um grande adiamento disso. A loucura impera de fato, ambos abraçam a sua fraqueza e vem o riso arrepiante de Kevin Conroy suprimindo o riso de Mark Hamill. E no fim, a água da chuva dilui tudo, até a sanidade.

O filme, assim como a HQ que a inspirou vai ainda gerar muitas e muitas discussões. Sei que minha visão sobre certos pontos em reação a Batgirl não vão agradar, assim como minha aceitação a certas mudanças e escolhas feitas no filme. Mas dentro do meu ponto de vista, assim como a HQ original, o filme sai do lugar comum. Traz um Mark Hamill e Tara Strong fazendo incríveis performances, e Kevin Conroy ainda mantendo um sólido trabalho, mas não no nível dos dois. E especialmente, o que a faz funcionar, é que disseca a frágil e complicada natureza de se relacionar com o Batman. Não Bruce Wayne, o lado humano que dá equilíbrio ao Homem Morcego, mas O Batman como também UM Batman, que chegou num estágio de sua vida tão absorvido em sua própria escuridão, e da tentativa desesperada de salvar todos ao seu redor dela, que não percebe que é tarde demais. Como diria o lobo de 'Anticristo', "chaos reigns" em 'A Piada Mortal', seja qual versão for.

NOTA: 9.0