quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Review: 'Suicide Squad' (2016)


O universo de filmes da DC Comics, oficialmente chamado pela Warner de 'DC Films' chegou em seu terceiro filme este ano, depois dos (sim) clássicos e essenciais 'Man of Steel' e 'Batman v Superman'. mas algo não fazia parte do planejamento original. David Ayer, tentando expandir seus horizontes, chegou a Warner com um projeto que foi rapidamente aprovado e encaixado dentro do calendário de filmes da DC Comics. 'Suicide Squad', adaptando a versão moderna concebida por John Ostrander, foi uma grata surpresa para fãs e não fãs, trazendo uma adaptação de quadrinhos estrelado totalmente por vilões. E como o filme se saiu, sendo o primeiro projeto da 'DC Films' com outro diretor além de Zack Snyder na direção? Continua abaixo, com SPOILERS!

O filme começa num mundo sem Superman, morto na batalha com o Apocalypse logo após os eventos de 'Batman v Superman'. Com a crescente onda de heróis e meta-humanos,a solução para a burocrata mão de ferro Amanda Waller (Viola Davis) é bem simples: pegar criminosos com habilidades acima da média, e até mesmo meta-humanos, e utilizá-los como armas a favor do governo. Se nada der certo, eles ficam como culpados, e qualquer desobediência é facilmente corrigida com morte, graças ao chip explosivo instalado em suas cabeças.


Os problemas começam quando a maior "arma" de Waller, a bruxa Enchantress (Cara Delevigne) foge de seu controle e prepara sua vingança que pode acabar com o mundo, e com isso, sua "Task Force X" é posta em ação, encabeçada pelo militar e segundo em comando Rick Flag (John Kimmelman), o matador com consciência Floyd Lawton aka Deadshot (Will Smith) e a psicótica rainha do crime, Harley Quinn (Margot Robbie), que busca desesperadamente voltar ao seu amor, o Coringa (Jared Leto). A medida que a equipe tenta conter os erros de Waller, verdades são reveladas e elos são criados que façam que, ao menos uma vez, os vilões sejam os heróis da história.


Apesar dos muitos rumores ditos na semana de lançamento do filme, a grande verdade (e confirmada pelo diretor inúmeras vezes) é que as escolhas feitas foram inteiramente por parte do diretor David Ayer para se aproximar mais ao tom e estilo mostrados nos trailers, ao mesmo tempo que tenta lidar com storylines diferentes de uma gama de personagens enquanto essas escolhas acabam definindo o foco da história. Mesmo que isso faça acelerar o que ocorre no primeiro ato, ainda sim o filme se faz funcional e com substância, mas destacando aqui que a falta de destaque do relacionamento de June Moon com Rick Flag foi um ponto que, se tivesse o mesmo destaque que teve Harley e Deadshot, deixaria o primeiro ato mais enxuto. A estilização do filme junto com a abordagem mostrada para se contar uma história com vilões coroa de fato a abordagem da 'DC Films' em dar mais liberdade criativa possível aos seus diretores, mas respeitando os alicerces ali construídos por Zack Snyder. Ainda é o mesmo mundo apresentado em MOS e BvS, mas visto por uma abordagem diferente.


David Ayer pega um dos contantes pontos fortes dos últimos filmes da DC, que são os vilões, e expande isso como se fosse um estudo sobre a natureza do mal, partindo do principio básico, e comprovado com Zod e Lex Luthor (e em certo nível, Batman), de que o vilão é o herói de sua própria história, e com isso é apontado suas principais diferenças e semelhanças. O que é ser mal para alguém que rouba um banco? Ou mata pessoas por dinheiro? E para quem é um completo psicopata, o que é ser "mal" e "bom"? O filme todo é uma jornada da psique do vilão e o que isso significa quando, de certa forma, eles tem uma vitória, mesmo que não como aquilo que eles abraçaram para si na vida. 

O filme continua abordando aquilo que é uma das marcas de Ayer como diretor, que é como nos identificamos como indivíduos quando estamos trabalhando em conjunto, e como o desafio a encarar nos afeta, ou até nos muda, como pessoas. O filme traz como centro desse assunto a trinca Deadshot-Flag-Harley, como (ironicamente) a trindade que mantém a equipe de pé, mostrando seus conflitos e nuances, e como cada um usa suas habilidades para fazer os outros entrarem no seu jogo, ou respeitarem o ação em que eles foram chamados a cumprir. E com isso os outros membros orbitam ao seu redor e são tão influenciados quanto, acabando que há uma pluralidade em ser mal (assim como ser bom) e que existe sim certa honra entre ladrões.


Lawton, matador tão bom e com uma confiança que beira a arrogância, vê o seu trabalho como também uma guerra, mesmo que ele acabe matando por aqueles que podem pagar o seu preço. Ele se vê como um soldado urbano, livre de ordens dos outros de uma falsa sensação de superioridade moral, pois ele sabe bem o lado bom e ruim em utilizar armas como seu instrumento de trabalho, mas abraça isso. Isso claramente interfere na relação com sua filha, e na dualidade dele fazer coisas más para tentar dar o melhor para ela, e também a mesma dualidade de sua habilidade para atirar e matar ser usada para algo que possa redimir aos olhos da mesma.


Mas Lawton também tem seu próprio código de honra, e demonstra isso em campo. Quando ele é chamado a um trabalho, ele quer todos os detalhes, e assim como qualquer um, não gosta de ser deixado para trás, nem quando é pago e muito menos quando é forçado. As interações dele com Flag mostram que ambos são lados da mesma moeda que escolheram caminhos diferentes, mas verdadeiros líderes em campo quando é preciso. Além disso, o constante embate entre os dois faz exatamente isso vir a tona, mostrando e criando-se um respeito mutuo ao longo da trama que com certeza vai influenciar as futuras dinâmicas não só entre os dois, mas com a equipe inteira.

Harley Quinn usa o Coringa para exatamente demonstrar qual a real razão de sua loucura: a necessidade de amar, e ser amada. Os flashbacks com o Coringa demonstram exatamente o tipo de amor doentio e a relação de uso e abuso das revistas, mas que ao mesmo tempo colocando os dois em pé de igualdade. Harley vê seu amor com o Coringa como um"contrato", uma sensação de dependência que ela sempre teve em sua concepção inicial. O paralelo que isso ocorre em relação ao Esquadrão é o fato de que o tipo de relacionamento que eles tem com ela é exatamente o oposto: a amizade iniciada ali é genuína e o amor que ela recebe ali é dado de volta de maneira igual e sem cobranças.


E também é visto algo que demonstra o que ela tem de especial e diferente em relação ao Coringa: o fato dela usar seus conhecimentos de psicanalise ao seu favor, afim de incitar intrigas e situações que favoreçam a ela, quando se ela entrasse num "modo predador" diferentemente da palhaça insana. tudo que ela vê nos outros é usado e catalogado, mesmo que em curto prazo seja trazido de volta quando ela queira utilizar isso como arma. Harley é louca, mas assim como o Coringa, tem sua própria marca do que é ser louca, e por isso se demonstra uma arma, e por acidente, a consciência do grupo muitas vezes.

E já que puxamos o assunto, vamos ao Coringa de Jared Leto, que ainda vai ser tema de bastante discussão para os próximos anos. Usando como principais influencias os Coringas de Brian Azzarello, Scott Snyder e Grant Morrison, vemos o Coringa do DC Films como um gangster de carreira, extramente volátil e psicótico. Sua reação com Harley, tema hoje em dia que também gera muita discussão sobre, parte da mesma maneira que foi abordado em 'Batman TAS': há o abuso, há o uso como arma/armadilha (fazendo, como foi dito, um paralelo com essa relação de Harley com o Esquadrão), a sensação de posse, mas do jeito doentio dele, há também o respeito e o amor.


Vendo em retrospecto todo hype e as cenas mostradas no trailer, a aparição do personagem acaba sendo menor que a esperada, mas funciona totalmente dentro do que o filme se propõe. É uma história do Esquadrão, e focar em mais cenas com o Coringa (e o Batman, que também tinha uma participação bem maior, se você prestar atenção nos trailers), iria tirar o foco dos membros da equipe e como a sua reação se constrói ao longo da trama. A utilização do Coringa de Leto mostra que ele tem um ótimo potencial e serve totalmente a trama da Harey Quinn, e não ao contrário como poderia facilmente cair nesse cenário, e que o personagem tem muito mais a oferecer como vilão, seja no futuro filme do Batman ou de Gotham Sirens.

Joe Kinneman manteve a alta qualidade de suas interpretações, trazendo uma interpretação sólida e competente de Rick Flag, soldado de alta patente do exército designado pela ARGUS e escolhido a dedo por Waller para comandar o 'Task Force X'. Ele é claramente contra a utilização de criminosos, usando como ponto negativo a sua instabilidade e o fator surpresa que não é exatamente a melhor coisa a se contar numa zona de guerra. Responsável em por disciplina no grupo, a ponte entre o Coronel e o ser humano detrás disso entre ele e o grupo é via Deadshot, que lentamente o põe no mesmo nível a medida que ele também é tão vitima das tramas de Waller quanto todos os outros, e também a medida que ele consegue enxergar alguma humanidade dentro desses criminosos.


Cara Delevigne invocou inspiração de Robert E Howard para sua Enchantress, usada aqui mais como consequência (óbvia) dos erros de Waller do que a vilã principal em si (falaremos disso mais a frente). Adewale Akinnuoye-Agbaje trouxe um ótimo Killer Croc, que apesar da maioria achar algumas de suas cenas engraçadas, mas que acabam informando muito de sua personalidade e seu orgulho em ser um monstro. Jai Courtney traz um divertido Boomerang, babaca dentro no nível permitido de um PG-13 e particularmente fico MUITO feliz em ele nos filmes ser ainda um vilão do Flash (com outra vez Ezra Miller se provando perfeito pro papel).


Slipknot não teve muito tempo de brilhar e assim como nas HQs, serviu de bode expiatório mostrando que Waller e Flag não estão ai para brincadeiras. E Karen Fukuhara como Katana, assim como o Coringa de Leto, precisa de mais espaço para aparecer em qualquer futuro filme, pois o pouco que foi mostrado dela já foi sensacional, se destacando no cenário e mesmo ao fundo ainda trazendo muita informação para o espectador mais atento e também trazendo uma necessária "do-gooder" com menos tons de cinza a equipe.

Mas o ultimo membro da equipe não citado que vale destacar e muito, é Jay Hernandes como El Diabo. Personagem do qual o diretor mais se identifica, por pertencer a mesma cultura que ele cresceu e foi criado nas ruas de Los Angeles, Jay Hernandes traz um vilão diferente, de quem perdeu tudo por causa do uso errado de seu poder e tenta se isolar de tudo e de todos como alto punição. Diablo traz uma das cenas mais emocionais do filme e acaba se transformando em, de fato, O Herói Relutante da história, crescendo e utilizando a sua "maldição" para algo bom, e que diferente de sua família anterior, a sua nova família saiba que ele viveu e morreu como um herói.


E agora chega a hora para falar (e explicar) sobre a verdadeira vilã do filme: Amanda Waller, brilhantemente interpretada por Viola Davis. Fria, calculista, e confiante até demais em suas habilidades, Waller é sim a verdadeira vilã do filme, diferente do que muitos pensam. Não, tudo que Enchantress faz é consequência natural das ações dela mesma. Enchantress, como qualquer outro membro do Task Force X, é um vilão, e com isso em mente, quando eles estiverem livres de novo obviamente vão tentar voltar ao seu status quo original, seja roubar, matar, ou no caso da Bruxa e de seu irmão Incubus, de dominar todo o mundo.


Se você estiver realmente prestando atenção no filme, vai perceber que é todo sobre Waller tentando concertar seus próprios erros, e colocando pessoas-nem-tão-inocentes-assim para fazer isso. Ela manipula, ameaça e mata quem quer que seja para ver seu objetivo concluído, que é do problema ser contido e que qualquer elo que a ligue com o evento seja cortado ali. A verdadeira jornada dos "heróis" do filme é como em uma missão suicida eles acabam encontrando o melhor de si, não para se tornar de fato heróis e sair de seu status quo de vilões e caras maus, mas para encontrar a honra de servir junto de uns aos outros naqueles que podem ser sempre seus momentos finais.

Há uma resolução que exatamente os humaniza, e por isso, justifica as suas escolhas de vida. Como Harley fala em certo momento "possua isso", torne o fato se você ser um pária o que te faz especial, não excludente, e assim você irá encontrar seu próprio mundo, seu próprio nicho. Há respeito em, ali, todos serem soldados lutando, mesmo que forçadamente, em prol de algo, mas exatamente ao fazer isso expande sua dimensão de mundo e faz lhe dar valor as pequenas vitórias e a si mesmo como pessoas. Há uma autenticação como pessoas más e a descoberta de vitória ali abre do fato de que há uma dualidade ali também pertencente aos heróis e que deixa código de conduta tão honesto consigo mesmo que realmente torna ser heróis e vilões dois lados da mesma moeda dentro do DCEU.


A cena final mostra exatamente isso, há a vitória de Waller, e por consequência, em menor escala, a vitória dos vilões membros da equipe, que começa a ser melhor tratados como pessoas na Belle Reve. Eles ainda são vilões, eles ainda são pessoas más, porém em certo nível há exatamente a dúbia consequência de heróis serem vilões de suas próprias histórias: que identificados com esse lado, inevitavelmente acabamos a nos identificar com eles em certo nível. E com isso, vilões e heróis vivem uma relação dependente, demonstrada pela cena pós-credito, onde Bruce Wayne e Waller trocam interesses em favor de ajudas, mas ainda sim conscientes dos papeis que fazem parte. Um, sem o outro, torna a sua própria existência irrelevante, além do fato dessa cena expandir ainda mais aquele mundo com o minimo esforço.

E no fim, tudo isso demonstra algo muito importante sobre o universo cinematográfico da DC no geral: que se há o respeito entre estabelecer tons diferentes, mas ainda sim o compromisso de levar esse filmes e personagens a lugares "fora da caixa". Não é em qualquer filme que você veria cenas como Amanda Waller matando todo seu staff para proteger seu envolvimento no que acontece em Midway City ou Harley sendo torturada no estilo 'Guantanamo Bay'. 'Suicide Squad' foi mais "tradicional" dentro dos padrões esperados do que MOS e BvS, mas mesmo assim, como seus personagens, traz muito mais do que a superfície aparenta.

NOTA: 8.0