domingo, 4 de junho de 2017

Review: Wonder Woman (2017)


OBS: Sim, contém spoilers.

Com seus mais de 75 anos de idade, a primeira vez que a Mulher Maravilha esteve presente em um filme live action foi em ‘Batman v Superman: Dawn of Justice’, dirigido por Zack Snyder. A atriz escolhida para interpretar a personagem, Gal Gadot, teve (como praticamente tudo relacionado ao filme) teve varias criticas e um movimento “do contra” em relação a ela. Mas Snyder, entre suas muitas qualidades, sempre teve um ótimo olho pra casting, e o que acabou acontecendo é que Gadot foi a que roubou a cena no filme.

A Mulher Maravilha não só é a primeira grande super heroína da DC Comics, como também é um ícone feminista e, assim como o resto da trindade, um dos alicerces simbólicos do que é ser um herói. Rumores sobre um filme dela sempre estiveram por aí, mas sem nada concreto de fato. A vez que foi mais perto de acontecer um filme solo com a personagem foi entre 2005 e 2007, quando Joss Whedon foi chamado para escrever e dirigir o projeto.

Com a DC Films lançando seu próprio universo compartilhado, acabou-se por se dar foco de fazer um filme solo da Mulher Maravilha, devido a importância dela como personagem e de seu papel dentro daquele mundo. Mas um filme de ação estrelado por uma mulher sempre mostra o lado mais machista da industria que ainda tem, grandes dificuldades de se permitir ser e ter diversidade, na frente e atrás das câmeras. Houve tentativas de mudança nesse cenário, mas não em adaptações de quadrinhos.

O filme acaba tendo que atender duas grandes expectativas: de fazer um filme que respeite a personagem e que mostre que sim, diversidade é importante. Patty Jenkins (de ‘Monster’ e outros muitos trabalhos para a TV) foi a escolhida para a direção do filme, após substituir Michelle McLaren, e com Gadot tendo a grande responsabilidade de segurar seu primeiro filme como protagonista. Mas como o filme se saiu?


Antes de mais nada, a história: No inicio, Zeus criou a humanidade, e Ares, Deus da Guerra, corrompeu seus filhos com brigas e conflitos. A solução vista por Zeus foi criar as Amazonas, mulheres guerreiras perfeitas e em especial embaixadoras para espalhar a paz e a bondade entre os povos. Porém, a batalha estava sendo perdida e as Amazonas escravizadas, até que a Rainha Hyppolyta (Connie Nielsen) junto com a General Antiope (Robin Wright) liderou uma revolução que mudou o rumo da guerra. Perdendo e acuado, Ares matou todos os outros Deuses do Olimpo, mas um ferido Zeus consegue machucá-lo fortemente e criar uma Ilha Paraíso para as Amazonas se esconderem do mundo.


Anos depois, vemos Diana (Gal Gadot), filha de Hyppolita, criada do barro e dada a vida pelo próprio Zeus. Ela procura um propósito de vida em que as Amazonas, dentro do seu isolamento, não permite que seja totalmente cumprido: de fazer o que as Amazonas fazem, de ajudar o próximo e espalhar amor e compreensão, e livrar o mal que Ares espalhou no mundo de vez. Com a aterrissagem não planejada de Steve Trevor (Chris Pine) na ilha, ações começam a acontecer que fará Diana conhecer o mundo dos homens, e enxergar a verdades sobre a humanidade, e sobre sua vida, que vão redefini-lá para sempre.

Patty Jenkins estava tentando fazer o filme durante longos 12 anos, mas a espera valeu a pena por um grande motivo: ela, como fã, entende o que se trata a personagem, e trouxe um ótimo estudo de personagem. Ela entende que o grande poder de Diana não são seus superpoderes, mas seu caráter e seu amor incondicional pelo próximo. E acabou fazendo um filme baseado naquilo que ela gostava quando mais nova, pegando bastante coisas de filmes de aventura clássicos dos anos 30/40 assim como os blockbusters da era pós Spielberg/Lucas, a partir da segunda metade dos anos 70.


E todos esses elementos estão bem presentes no filme, e Jenkins conseguiu extrair o melhor de Gadot como atriz, trazendo não só a melhor atuação de sua carreira mas algo que vai servir de inspiração de toda uma nova geração de leitoras e fãs da personagem. Ela é o símbolo feminino que os filmes de quadrinhos modernos não possuem, ou que não souberam trabalhar direito quando tiveram a oportunidade.

Mas é importante apontar algo: Clark Kent e Bruce Wayne são heróis que não só viram o lado ruim do mundo, mas que não nasceram e foram criados com essa objetivo em mente. Tragédias aconteceram em suas vidas que obrigaram a tomar uma escolha moral de deixar esse sofrimento afetar suas vidas negativamente para sempre ou fazer a escolha difícil, porém correta de ajudar outros a não terem esse mesmo sofrimento. São heróis feitos por si, mas não uma heroína nascida e criada de fato para isso como Diana.

As primeiras cenas mostrando as Amazonas são bem diretas e definitivas: essa é uma sociedade de guerreiras, mas especialmente de diplomatas. Elas treinam porque sabem que tem que estar preparadas, mas “usar uma espada não te torna uma heroína”, uma frase que me lembra diretamente um momento da fase do Brian Azzarello, quando Diana diz que o laço da verdade não é uma arma, mas quando a ocasião pedir, poderá usá-la como uma. Diana é essencialmente uma pessoa boa e foi criada numa comunidade em que o amor é sempre a primeira resposta. Isso não foi feito como “correção de curso” para qualquer coisa, porque isso é a personagem em sua forma mais verdadeira.


É importante comentar sobre isso devido a uma das muitas ignorâncias pensadas e ditas sobre os filmes do DCEU, e de como em ‘Wonder Woman’ eles “concertam” isso. O filme não só usa os alicerces temáticos do que foi construído anteriormente por Zack Snyder, mas tem a visão e o direcionamento da Patty de como trabalhar com aquilo, do jeito que os universos compartilhados de filmes e series realmente bons de fato funcionam. A jornada de Diana neste filme é perceber que o mundo não é preto e branco quando ela conhecia pelas histórias e livros que lia.

Há uma descoberta e um crescimento como pessoa em ela não só conhecer o mundo mas também como defender no que se acredita quando as coisas não se encaixam como é pensado que deveria. Nesse sentido, não há mudança temática diferente do que foi feita em ‘Man of Steel’, ‘Batman v Superman’ e ‘Suicide Squad’. Há o questionamento da jornada, dos outros com ela e consigo mesma, assim como a possibilidade de decadência e falha, assim como sucesso e redenção. Nesse sentido, o filme continua bem alinhado em termos de como os heróis da DC são representados: são pessoas que procuram fazer e ser a melhor versão delas mesmas ao ajudar as pessoas, mesmo quando tudo ao redor indica que está errado em ao menos tentar se importar com o próximo.

E com diferentes visões, diferentes abordagens de se fazer o filme. O humor presente ali está excelente, porque está ali a serviço de desenvolver a personagem e sabe-se quando ser usado. Você não vê Diana ou Steve Trevor no meio de uma zona de guerra soltando piadas, porque o cenário e o momento não pede esse tipo de coisa. Há uma seriedade na abordagem das ótimas cenas de ação, que mostram que Patty aprendeu bastante com Snyder (que chegou a co-dirigir parte da cena da Terra de Ninguém) e que sim, cineastas mulheres podem e querem fazer mais coisas desse tipo colocando mulheres em posições de poder. Também vale citar o ótimo uso closes e enquadramentos como artifício para demonstrar o quanto Diana e Trevor se envolvem e também para expressar seus sentimentos entre si.


Porém, o filme acaba sendo o mais “quadrado” criativamente falando, e acaba caindo nos mesmo erros de outros filmes recentes de quadrinhos. Faltou uma certa ousadia e um elementos de estranheza presente em todos os filmes do DCEU até aqui que não se mostrou presente. Ele é um filme básico muito bem feito, mas ainda básico. Mas entende-se que aqui foi um “mal necessário” para um risco evidente: de ganhar a confiança do publico, e dos estúdios, que um filme como esse possa ser feito e ter retorno.

No fim, você tem ótimos momentos de desenvolvimento e crescimento de personagem, mas isso não necessariamente faz a história soar como se tivesse um ritmo fluido, por causa do fator tempo dentro da trama. É algo que trabalha diferente ,por exemplo, o primeiro Thor, que o fator tempo tira toda a credibilidade do desenvolvimento dele. É uma série de ótimos momentos seguindo um ao outro que no fim não te deixa a impressão que os acontecimentos ali são fluidos, mas que porém não tira a credibilidade da evolução do personagem porque diálogos e atuação são muito bem feitos.

E é estranho também citar que o filme cai no mesmo mal que Diana passa durante todo o filme, de utilizar o mal como uma figura personificada a ser destruída. Pela primeira vez o DCEU não trouxe um filme em que seus vilões estejam bem desenvolvidos como seus heróis. Apesar que Diana aprende no final que fazer o bem ou o mal é uma questão de escolha que não necessariamente as define como uma pessoa de caráter bom ou ruim (que novamente, foi um tema utilizado antes em ‘Suicide Squad’) o filme acaba usando seus vilões do mesmo jeito que outras adaptações de quadrinhos erroneamente usam, de serem apenas desculpas para os heróis agirem.

Achei a Dra Maru/Doctor Poison (Elena Anaya) sub-aproveitada (apesar que uma sequencia na Segunda Guerra Mundial poderia reverter esse erro), assim como Danny Huston como Ludendorff, que é de fato um personagem real da primeira guerra mundial. Ares acabou sendo o melhor vilão ali, e por um lado se disfarçar como um político e homem de paz foi uma ótima ideia, pois assim ele prova exatamente o seu ponto de que os humanos são cruéis e fazem conflitos porque gostam. Porém a ligação que é feita com os outros vilões da trama tira sua força. Apesar de ter adorado o visual final dele, e a temática detrás dessa escolha, achei estranho eles terem mudado radicalmente o visual do personagem após terem divulgado em brinquedos e propagandas.


O Steve Trevor do Chris Pine incorpora o melhor dos heróis homens do universo DC, e muito da carga emocional do filme funciona exatamente porque a química entre ele e Gal é ótima. A Etta Candy de Lucy Davis está adorável como a personagem das HQs, e que o mash-up entre ‘Blackhawks’ e ‘Men of War’ ganhe mais espaço numa sequência. Sameer, Charlie e The Chief tiveram seus poucos momentos pra brilhar mas fizeram muito bem, e dá vontade de ver mais deles. Todas as Amazonas estão de parabéns, sendo bem representadas e se mostrando plurais e com personalidade. O pessoal vai ficar feliz em saber que teremos mais delas (e de Hyppolyta) em ‘Justice League’.

‘Wonder Woman’ não é o melhor filme da DCEU, mas ainda sim é um bom filme. Acho que a inevitável sequência pode permitir explorar mais Diana e trazer uma história que seja tenha a marca de ousadia e criatividade que é tão forte nas produções da DC. Mas isso não só demonstra para os detratores que a DC Films tá indo muito bem nos cinemas em fazer o que propõe, mas há uma aceitação clara a isso no momento em que as pessoas estão retornando para as salas de cinema.

Porém, o que torna ‘Wonder Woman’ já um clássico não é só o fato de que Patty Jenkins abriu um mundo de possibilidades para que mais histórias, blockbusters ou não, feitos por mulheres e direcionados para o publico feminino aumente drasticamente, mas também faz as pessoas encontrarem e reconhecerem a Mulher Maravilha como o ícone que é, reintroduzindo para uma geração uma heroína para mulheres de todas as idades num mercado (e um mundo) fortemente dominado por homens. O brilho do olhar de uma menina ou uma mulher ao se ver representada, e bem representada, num filme que não a desrespeita ou subjuga por causa de seu sexo não tem preço. Como já diria a canção, todo mundo estava preparado para ela de fato.