terça-feira, 21 de novembro de 2017

Justice League: O que aconteceu ao Homem do Amanhã?


Depois de quase 5 anos preparando a construção do Universo DC Cinematográfico desde 'Man of Steel', Zack Snyder finalmente revela ao mundo a sua visão do que seria o primeiro encontro dos maiores heróis da terra em sua adaptação da Liga da Justiça as telas. Porém houve certos problemas pessoais fortes que forçaram a Snyder abandonar o filme na pós produção e deixar aos cuidados de Joss Whedon (dos dois primeiros Vingadores) para finalizar o filme a tempo. Com isso dito, e a promessa que de a visão de Snyder não seria comprometida, como ficou o resultado final? Infelizmente, o que houve é, pela terceira vez, a história se repetindo. Mais coisas abaixo.

Vamos a história: Inspirado pelo sacrifício de Superman (Henry Cavill) e pelo aviso apocalíptico do velocista conhecido como Flash (Ezra Miller), Batman (Ben Affleck) confirma que há uma outra invasão alienígena vindo e decide tomar as rédeas de reunir uma equipe para proteger um mundo tão suprimido de esperança após a morte de seu maior protetor. Se reunindo com Barry Allen (The Flash), Arthur Curry/Aquaman (Jason Momoa), Victor Stone/Cyborg (Ray Fisher) e novamente com Diana Prince/Wonder Woman (Gal Gadot), Batman e sua equipe parte para uma corrida contra o tempo para resgatar as Caixas Maternas, baterias de poder que podem destruir tanto quanto recriar, das mãos de Steppenwolf (Ciaran Hinds) e seus Parademonios de Apokalips, que buscam dominar a terra para reconquistar seu direito de voltar a se juntar aos Novos Deuses. Mas as capacidades da Caixa Materna abrem uma perigosa, porém real, possibilidade de ressuscitar Superman, oportunidade essa que Batman quer para não só concertar seus erros perante a si, mas perante o mundo...

Zack Snyder havia planejado os 3 filmes de sua trilogia sobre o Universo DC de maneiras bem distintas, e houve respostas bem distintas alias sobre como ela foi recebida. Snyder sempre trouxe filmes que desafiam o status quo dos gêneros dos quais ele trabalha ou adapta, e não foi diferente quando ele reconstruiu (com sucesso) um Superman para uma nova geração em 'Man of Steel' e foi ainda mais longe no que o gênero poderia oferecer com o maravilhoso 'Batman V Superman', uma excelente desconstrução destes personagens e o papel que eles poderiam oferecer no mundo de hoje, numa sociedade pós 11 de setembro.

Mas o que muito se comprova pelas reações de uma parte do publico e, especial, de uma crítica tendenciosa e que quer provar seu poder com tomates e afins, é que eles não querem ver seus heróis sendo mais que puro escapismo (muitas das vezes completamente vazia), preenchendo a necessidade de ter heróis para salvar o dia pela gente, preenchendo durante umas 2 horas a necessidade de alguém ser bom pela gente, numa narrativa que emula muito as series de TV e te prende pelos próximos episódios, como peças soltas em um quebra cabeça. Porque afinal, se você perde um agora, não tem como entender o que acontece depois. Acaba mais sendo uma relação de "dependência narrativa" de seguir aquela história e saber como ela termina, e em termos inspiracionais, algo vazio.

E não foi isso que Snyder nos ofereceu nos filmes anteriores. Ele levou a esses personagens onde não só a diversão e o escapismo estavam presentes, mas fez desses personagens humanos e semelhantes como nós, como nossas qualidades e fraquezas, mas também nosso potencial para sermos mais do que nos é estabelecido, e sim, de fato afetar e mudar o mundo. Snyder tornou super heróis novamente socialmente relevantes porque ele os reconhece como arte, e arte pode e deve ser utilizada não só para entreter mas para falar sobre o mundo que vivemos.

A partir disso ele não só fez o que fez, mas também abriu espaço para que outros (como David Ayer e Patty Jenkins) pudessem trabalham de livre forma em cima do que ele estabeleceu. vai além de nos sentirmos completos em ver esses heróis salvarem o dia, mas como as ações deles nos fazem refletir como nós podemos sermos heróis fora das telas de cinema. E isso pode não parecer importante a principio, mas é necessário recapitular isso ao falar sobre os sentimentos sobre como esse filme me faz sentir, especialmente pelo investimento emocional depositado na jornada deste diretor em especial.

O filme mostra basicamente as consequências das ações dos filmes anteriores, num ritmo bem acelerado (mais que o normal, até pros filmes da editora) entregando ótimos momentos entre personagens num filme rápido, mas eficaz que entrega o tipo de humor e momentos que muitos esperavam assistir nas telas. Ver as interações entre os personagens (e os atores muito bem confortáveis em seus papéis) e momentos que muitos esperavam a vida inteira em presenciar esses personagens, em live action, interagindo, e existindo, especialmente entre fãs e amigos, uma experiência surreal. As participações especial, os easter eggs, o fato daquilo estar acontecendo diante dos seus olhos, é de fato maravilhoso e emocional à primeira vista. A primeira vista.

A caracterização dos personagens está maravilhosa. Aquaman do Momoa traz o melhor da era Peter David com bom humor, agressividade e carisma na medida certa. O Barry Allen do Ezra, mesmo caindo ainda na velha forma de tornar o Flash uma versão mais bem humorada (muito por causa da série animada)  é um os destaques do filme e rouba o filme em várias cenas, e com certeza vai se tornar um favorito do publico. O Cyborg de Ray Fisher é um deleite, trazendo uma seriedade de alguém tentando se adaptar a uma nova realidade em sua vida mas ainda sim procurando sua humanidade dentro disso. São todos atores excepcionais que tem tudo pra carregar seus próprios filmes solos nas costas. Louco pra ver mais deles e mais de cada canto do universo em que eles habitam. Não tenho nada mais a acrescentar sobre Affleck e Gadot, que já cimentaram esses papéis como seus, graças ao talento e esforço em que eles aplicaram aos papéis, e servem muito bem como lideres do grupo em cena.

Vale a pena também citar a volta de Hippolyta (Connie Nielsen) e a primeira aparição de Mera (Amber Heart), mais um acréscimo das fortes personagens femininas que Snyder sempre trouxe em sua filmografia. Elas são generais que partem pra briga e estão ali representando seus respectivos povos, e tem grande influência em ajudar a conectar não só os heróis mas também seus mundos, por mais distantes um do outro que pareçam. o vilão, Steppenwolf foi uma boa adição ao filme, e apesar de não ser um mesmo antagonista no nível de Zod e Lex Luthor, fez um bom trabalho em representar não só uma cruzada divina em termos da generalização das pessoas para lhe amarem (o que acaba sendo extremamente irônico devido a tudo que acontece) mas também de servir de literal porta de entrada para os Novos Deuses. Da mesma maneira que Batman trabalha com todos inspirado por Superman, Steppenwolf abre a possibilidade da sombra de Darkseid pairar sobre aquele mundo...

A utilização do visual e dos cenários também foi bem interessante, utilizando de cores quentes para representar um ambiente mais infernal, apostando muito no laranja e vermelho (não por coincidência, cores predominantes em Apokolips) e também dos usos dos cristais e cores frias para contraste, arranjando novas maneiras de se mostrar o inferno na terra, mas saindo das velhas formulas. Patrick Tatoupolus, o design de produção do filme, também está de parabéns por expandir mais daquele mundo visualmente, em especial com veículos novos do Batman e no visual reformulado dos Novos Deuses fortemente inspirados nos trabalhos de Jack Kirby, mas também trazendo inspirações atuais como Jim Lee e Nicola Scott.

Mas você sente que muito do material que o Snyder fez foi modificado, deixado de lado, e substituído por algo, que curto e grosso, só fez piorar o filme. Piadas sem graça, forçadas e fora de hora, e que especialmente cortam os ótimos diálogos feitos pelo Chris Terrio, que não só muitas vezes não só enchem linguiça, mas destoam do resto não só no texto, mas até mesmo visualmente também. E também cenas que não só ajudam a aguar e diminuir as ideias e conceitos do Snyder, assim como também castrou e limou possibilidades de aprofundar muito mais esses personagens e o universo em si. O problema é que, este filme, numa melhor definição, é um filme do Snyder pela metade, com Whedon, a mando da Warner, forçando goela a dentro novas cenas para tentar replicar a formula da concorrente.

E até nisso o que o Whedon fez se demonstra também como um problema, porque tudo que aconteceu em Vingadores 2 demonstram que, no fundo, não foi só uma imposição da Marvel, mas erros dele próprio, que aqui teimam em se repetir. Uma cena do Flash caindo nos seios da Mulher Maravilha, humor inapropriado com as personagens femininas (pobre Lois Lane), cortes que não aproveitam a ambientação ou até mesmo um desenvolvimento melhor e mais trabalhado de todos os personagens (porque precisa correr com a história) para entregar coisas como o plot da familia russa, uma construção do roteiro completamente desnecessária em comparação as coisas que o filme outrora oferecia. Mas nem tudo o que o Whedon fez foi de ruim, vide a primeira cena do filme, a cena da equipe reunida com a Caixa Materna (e Bruce discutindo com Diana sobre sua hipocrisia) e a reutilização do clássico "Do You Bleed", mostrando que quando acerta, faz isso muito bem. Porém, seus defeitos suprimem não só as suas qualidades, mas as qualidades do que Snyder fez também.

A mudança da trilha sonora do Junkie XL (na crista da onda por causa de 'Mad Max: Fury Road') por Danny Elfman, também demonstra exatamente essa extrema rachadura dentro do que o filme se propõe a ser. Por mais legal que seja celebrar o grande legado musical da DC Comics (pouco explorado e comentado, alias), no fim foi uma trilha preguiçosa em termos de oferecer, ironicamente, algo novo, mesmo com o peso de um material clássico. E os comentários dele recentemente dificultam em abrir uma defesa sobre o que ele tem feito, pois mais legal que dar ao publico o que ele quer (voltaremos a isso depois), o que ele quer não é necessariamente o que o publico precisa, porque diferentemente de MOS e BvS, que você saia cantarolando os temas do Zimmer e Junkie XL, isso definitivamente não acontece aqui..

Mas acho que a pior perda disso tudo é o jeito como trataram Superman. O retorno dele deveria ser significativo, e central sobre os temas do filme, como era antes, mas o corte feito por Whedon foca muito mais na mudança do Batman para uma pessoa melhor por causa dos eventos de BvS do que de fato do que como um mundo sem Superman ficaria, e o que seu exemplo pode oferecer a esses novos (e velhos) heróis, e em especial, o que eles tem a oferecer ao Superman. Ele estar mais leve, e mais confiante, deveria ser do fato de que ele voltou a vida, e há uma aceitação do que ele tentou aplicar enquanto estava vivo finalmente funcionou: que sim, vale a pena ser uma boa pessoa e colocar uso a isso. Mas no final, a versão trazida por Whedon trouxe um Superman que age como tal porque... é o Superman que as pessoas queriam ver. Sorrindo, batendo nos caras maus, fazendo piadas.

Mas não necessariamente com a significância e profundidade que ele teve nos filmes anteriores e que era esperado em ter neste filme, sendo que deveria ter sido exatamente o filme para celebrar o que é este Superman. E essa gritante diferença de abordagem novamente são demonstrados dos cortes e regravações vindos disso, que se mostram claramente em dois momentos: na cena quando Lois e Clark voltam pra fazenda, e monologo final de Lois Lane, do qual a versão liberada claramente não só reflete a jornada planejada do Snyder para esses personagens e o que a presença deles de fato significa (sobre os heróis nos levarem junto a luz), como contradiz a versão feita por Whedon e vista no filme (sobre a luz ser refletida nesses heróis que estão na escuridão), que dá voz e razão erroneamente sobre todas as criticas feitas em relação ao DC Films, o que alias demonstra total e completa ignorância por parte dos envolvidos sobre quais esses temas se tratavam. E num universo que se construiu ao redor do personagem, vê-lo subutilizado desse jeito é um desperdício do personagem e do que Henry Cavill pode fazer, baseado nos filmes anteriores.

Por outro lado, mesmo com todas as mutilações e deformações que o filme sofreu, é incrível ver como os temas e propostas de Snyder ainda conseguem achar espaço para se tornar relevantes dentro de um filme que claramente foi modificado de sua proposta original. Ele diverte, ele entretém, ele realmente toca e celebra em muitas formas o fato de você ser fã da DC, e do fato de funcionar mesmo depois de tudo isso é um milagre. Isso o torna um filme dele, mas diferente dos outros tira sua característica autoral, mesmo havendo momentos (como a abertura ao som de 'Everybody Knows', Superman em Heroes Park e a segunda cena pós créditos) me emociona exatamente por saberem que são coisas do Snyder, de me emocionar e de me empolgar por reconhecer o amor e dedicação que ele colocou nesses momentos. E com isso, sim, o filme fica com todos esses elementos, mas no fim fica sem alma, é apenas um produto derivado e triturado de algo, que graças as cenas vazadas do filme feitas por Snyder, demonstra que ele poderia ter sido muito mais alinhado com as outras partes de sua história e por consequência, muito melhor.

E é complicado falar do filme sem necessariamente estar afetado por tudo que aconteceu, porque inevitavelmente tem não só o investimento emocional em relação a esses personagens durante esse tempo todo, mas também ao diretor detrás das idéias. Sendo que desde a principio Snyder já ia fazer um filme mais leve e mais direto em comparação a BvS, e a sensação que fica ao ver esse produto é de traição, não só da Warner em relação a gente, mas do estúdio em relação ao diretor, especialmente de tudo em relação ao processo de fazer o filme indicava que todos estavam ali protegendo e apoiando a visão do mesmo. E pior, foi fazer algo do tipo exatamente quando um pai, que decidiu se focar no trabalho para adiar o máximo possível o luto pela filha que se suicidou, se afastou do filme pra fazer isso com algo que ele investiu uma década de sua vida trabalhando nisso. Mas, "business is business". E no fim, como qualquer outra produtora de filmes, ela quer lucro.

Nós, como publico, não vamos ganhar nenhum centavo com isso, de fato, então a nossa recompensa tem que ser com o que esses filmes tem a nos oferecer. E se antes me trouxeram filmes que realmente me tocavam a alma em relação a personagens que eu amo e aonde eles poderiam chegar, o filme em si representa uma estranha forma de alienação em relação ao seu objetivo. Por mais que briguem pra mudar tudo, as ideias do Zack Snyder vão ser o alicerce desse universo para sempre. No fim, o filme me celebra, me diverte, mas não me inspira ou me faz refletir do jeito que os outros filmes da DC Films, dirigidos pelo Snyder ou não, fazem. E essa era realmente a ultima coisa que eu esperava de um filme sobre a Liga da Justiça.

Mas o fato de quem reclamou antes está continuando a reclamar e o filme não rendeu o que um filme desse porte (e dessa importância) deveria prova que, ao tentar agradar todo mundo, você não acaba agradando ninguém. E pior, demonstra novamente uma perigosa história que se repetiu antes em 'Superman II' e 'Batman Forever', em sacrificar a visão original do diretor afim de tentar tornar mais comercial e lucrativo as franquias, dando no fim que elas acabaram terminando exatamente por investir lucro ao invés de criatividade, resultando em posteriores sequências pífios e ficando em hiato durante anos (ou até décadas) antes de voltarem a ativa novamente. Então, não tiro a razão nenhuma de quem está reclamando  lutando para que a versão original do Zack Snyder seja traga a tona (alias, você pode assiná-la a petição para isso aqui). Porque agora nós, como publico, temos como fazer nossa voz ser ouvida, caso o que houve com a bilheteria ainda não tenha sido o bastante.

E inevitavelmente não tem como não apontar dedos para pessoas como Kevin Tsujihara, Jon Berg e Geoff Johns e dizer que eles não tiveram culpa no cartório. Joss Whedon também, por ter escolhido ser complacente com a situação. Assim como muito do publico e críticos que agora reclama que deveria terem respeitado o Snyder desde o começo, mesmo (ainda) criticando negativamente tudo sobre ele e o que ele faz. Sei que muitos também vão se empolgar por causa da abordagem desse filme, fruto de que ganharam o produto industrializado que estão acostumados a consumir, mas também muitos que adoravam a abordagem feita até agora claramente estarão céticos em ver que o estúdio preferiu agradar a quem não devia (e não se importa) do que defender a visão imposta até agora.

O futuro é incerto, e com certeza a própria Warner está vendo (de novo) a abordagem pros próximos filmes, como se tudo o que aconteceu até agora não mostrasse o que tivesse de fato errado. Mas eu tenho esperança e otimismo que um dia esses filmes vão voltar a ser o que eram, ou serem algo além do que já são. Eu acredito que sim, veremos uma luz no fim do túnel. Só não espero que, novamente, as pessoas responsáveis por esses filmes fiquem cegas por essa luz quando o momento chegar.